INTELIÊNCIA ARTIFICIAL :: MAIS DO QUE UMA FERRAMENTA, UM NOVO HORIZONTE HUMANO PARA A INCLUSÃO
- Fabiano D'Agostinho
- Oct 28
- 6 min read
Updated: Nov 16
Lembro-me dos dias em que cada barreira física era um muro intransponível, e a ausência de uma simples rampa transformava um direito em um privilégio inalcançável.
Quero poder dizer isso para os meus netos num futuro não tão distante. Esse dia chegará, e a tecnologia, a mesma que parece nos distanciar, poderá, em invés disso, construir pontes invisíveis, derrubar muros e redefinir o que significa ser acessível para os 1,3 bilhão de pessoas com deficiência no mundo, ou os 18,9 milhões no Brasil, que necessitam de um olhar mais inclusivo. Essa é, acredito, a promessa da Inteligência Artificial (IA) para a inclusão.

Quero poder dizer isso para os meus netos num futuro não tão distante. Esse dia chegará, e a tecnologia, a mesma que parece nos distanciar, poderá, em invés disso, construir pontes invisíveis, derrubar muros e redefinir o que significa ser acessível para os 1,3 bilhão de pessoas com deficiência no mundo, ou os 18,9 milhões no Brasil, que necessitam de um olhar mais inclusivo. Essa é, acredito, a promessa da Inteligência Artificial (IA) para a inclusão.
Tendo vivenciado os desafios da acessibilidade de perto, a tecnologia sempre foi para mim um campo de fascínio e de soluções potenciais. Não é à toa que minhas reflexões sobre o futuro da sociedade, exploradas no meu livro 2081 - XRAM, apontam a IA como um alicerce fundamental para um mundo mais equitativo. A IA não é apenas um avanço tecnológico; é um agente de transformação social, com o poder de reescrever as regras da acessibilidade e da autonomia para milhões de pessoas.
A IA no Front da Acessibilidade: Exemplos e Potencial Transformador
A IA já está operando uma mudança silenciosa, mas profunda, no cotidiano das Pessoas com Deficiência, e seu potencial é vasto.
1. Visão Computacional para Autonomia: Imagine poder "ver" o mundo através de um dispositivo que o descreve para você. Aplicativos como Be My Eyes conectam usuários cegos ou com baixa visão a voluntários videntes via videochamada, enquanto o Seeing AI da Microsoft usa inteligência artificial para descrever pessoas, textos e objetos ao redor, e descrever o valor de cédulas. Mais recentemente, o lançamento de dispositivos como os novos óculos inteligentes da Meta/Ray-Ban, que integram câmeras e telas em lentes, promete uma nova revolução. Para uma pessoa com deficiência visual, mesmo que completamente cega, um óculos capaz de captar imagens do ambiente e traduzi-las em descrições de áudio através de um alto-falante discreto na haste não é apenas uma conveniência, mas uma ferramenta de autonomia sem precedentes. Óculos assistivos já existem, mas com o lançamento de mais produtos assim, a popularização deles é inevitável.
A IA pode ir além: sistemas de visão computacional, treinados com dados massivos, podem oferecer navegação autônoma em ambientes complexos, leitura de placas de trânsito em tempo real e até a "previsão" de obstáculos, alertando sobre superfícies irregulares ou aglomerações. A provocação aqui é crucial: como garantimos que a comunidade PcD seja protagonista no treinamento dessas IAs, co-criando soluções que realmente atendam suas necessidades e respeitem suas particularidades culturais, em vez de apenas reagir ao que é desenvolvido?
2. Processamento de Linguagem Natural (PLN) para Comunicação: As barreiras de comunicação são das mais frustrantes. O PLN da IA está revolucionando isso. Ferramentas de tradução simultânea, como o Hand Talk, que traduz para Libras, ou sistemas de legendagem automática em tempo real, já estão minimizando as dificuldades para pessoas surdas ou com deficiência auditiva. Além disso, a IA pode simplificar textos complexos, tornando informações essenciais acessíveis a pessoas com deficiência intelectual ou dislexia, como abordado no artigo O Mosaico da Inclusão sobre neurodiversidade na edição anterior.

A questão que se impõe é: a IA realmente promove a igualdade na comunicação, permitindo que cada voz seja ouvida e compreendida em sua plenitude, ou cria novas dependências tecnológicas, mascarando a necessidade de interação humana genuína?
3. IA Preditiva e Ambientes Adaptativos: A vida em casa, nosso porto seguro, também está sendo transformada. Casas inteligentes aprendem rotinas e antecipam necessidades de moradores PcD ou idosos, controlando luz, temperatura, portas e até acionando chamadas de emergência. Sistemas de monitoramento de saúde baseados em IA, como o Anglis (solução nacional destacada em textos anteriores), exemplificam como a tecnologia pode prever e prevenir incidentes como quedas, otimizando o cuidado em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs).
A promessa é um “ecossistema de cuidado inteligente”. Mas onde está o limite entre “cuidado” e “vigilância”? Como preservar a autonomia e a privacidade da escolha em um ambiente que “sabe” demais?
4. Robótica e Exosqueletos com IA: O que antes parecia ficção científica está se tornando realidade. Exosqueletos controlados por IA permitem que pessoas com paraplegia voltem a caminhar, e braços robóticos com sensibilidade aprimorada oferecem novas capacidades. A IA pode estender as capacidades físicas e sensoriais humanas de maneiras antes inimagináveis.
Isso nos leva a questionar: que tipo de “corpo” a IA nos permitirá construir no futuro? Como isso redefine o conceito de “normalidade” ou “capacidade”, e quais as implicações sociais de um mundo onde a tecnologia pode “ampliar” a condição humana?
IA e o Ambiente Construído: O Fim das Barreiras Físicas?
A mais poderosa provocação da IA para a inclusão talvez resida em sua capacidade de redesenhar nosso mundo físico, eliminando barreiras antes mesmo que elas se concretizem.
5. IA no Planejamento Arquitetônico: E se arquitetos e urbanistas passassem a utilizar novos sistemas inteligentes que, com base em inteligência artificial, identificassem falhas ou necessidades de acessibilidade ainda na fase de projeto? Já existem diversas ferramentas de arquitetura que empregam IA, mas ainda não contemplam, de forma explícita, a simulação da experiência de uma pessoa com deficiência. Espera-se que, em breve, essas tecnologias possam representar, por exemplo, o trajeto de um usuário de cadeira de rodas, de uma pessoa cega ou com mobilidade reduzida em uma planta arquitetônica, identificando gargalos e sugerindo soluções otimizadas.
6. Aprovação Inteligente de Projetos: E se todas as prefeituras adotassem sistemas semelhantes, baseados em IA, para verificar falhas de acessibilidade com precisão no momento da aprovação de projetos de construção? Prédios com barreiras físicas deixariam de ser construídos, pois o sistema atuaria como um “fiscal inteligente” preventivo, garantindo que a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) fosse respeitada desde a prancheta.
7. Mapeamento Global e Remediação Proativa: E se um sistema de satélites, aliado à visão computacional avançada, fosse capaz de identificar — por meio de imagens — todos os locais com problemas de acesso e informar os governos responsáveis? Ou, de forma mais pragmática, e se as próprias prefeituras utilizassem imagens detalhadas do Google Street View, combinadas com algoritmos de IA, para mapear calçadas esburacadas, rampas inexistentes ou mal projetadas e edificações (incluindo comércios, restaurantes, etc.) sem acessibilidade, gerando planos de ação e fiscalização automatizados? A tecnologia para isso já existe, inclusive no Brasil, mas ainda não é aplicada com foco na acessibilidade. Se fosse, transformaria a remediação de barreiras de uma ação reativa para uma abordagem proativa, catalisando a verdadeira inclusão urbana.
Essas possibilidades não são ideias utópicas; são o horizonte tangível que a IA nos oferece e já estão, em sua maioria, disponíveis. Mas elas precisam evoluir em suas aplicações, tendo a IA treinada para seus fins específicos. Implantá-las e popularizá-las exige de nós coragem e a ética.
A Humanidade no Algoritmo: Ética, Amor e o Desafio da Co-Criação
Esta revolução tecnológica nos remete aos fundamentos que abordei em Os alicerces da inclusão: ética, amor e o poder transformador da tecnologia, na penúltima edição desta revista. Se a ética é o alicerce e o amor o piso de uma sociedade inclusiva, como garantimos que os algoritmos de IA sejam construídos sobre esses mesmos princípios? A IA, por sua natureza, não possui emoção ou moralidade inerente; cabe a nós, humanos, infundir nela esses valores. O risco de uma “algoritmo-dependência” é real, e precisamos preservar o protagonismo humano, garantindo que a IA seja uma extensão da nossa humanidade, não um substituto.
Outro ponto crítico é o perigo da exclusão digital. A tecnologia é um vetor democratizador, mas a falta de acesso (econômico ou de conhecimento) pode criar um novo abismo. Como garantir que a revolução da IA na acessibilidade não se torne um privilégio para poucos, mas um direito para todos? A questão do custo de dispositivos, da conectividade e do letramento digital — tópico já explorado em matérias da Revista Reação ao comparar o braille ao digital — torna-se ainda mais urgente.
A verdadeira inclusão com IA só será possível se as pessoas com deficiência não forem apenas “usuários”, mas co-criadores. Seus insights, suas vivências, suas necessidades devem moldar o desenvolvimento dessas tecnologias desde o início. Como disse Alan Turing, o pai da computação: "Só podemos ver um pouco à frente, mas podemos ver que há muito a ser feito." E esse "muito a ser feito" passa por uma colaboração genuína, onde a empatia e a escuta ativa são centrais, e onde a tecnologia serve a uma visão humana de mundo.
O Chamado para um amanhã acessível
A revolução da IA na acessibilidade já começou, mas seu curso final será determinado por nossas escolhas hoje. Não podemos cruzar os braços, nem nos calar diante das possibilidades e dos desafios. É preciso persistir – como a cada passo que damos, como a cada rampa que conquistamos, como a cada voz que se eleva – para garantir que essa tecnologia sirva verdadeiramente à essência humana.
Que a IA seja um espelho das nossas melhores intenções e um vetor para um Brasil onde a diversidade seja celebrada e a inclusão seja uma realidade vivida por todos, em todos os lugares. O futuro é agora, e ele exige nossa ética, nosso amor e nossa ação.
BAIXE A EDIÇÃO 163 DA REVISTA REAÇÃO:



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