O DESRESPEITO NO USO INDEVIDO DE VAGAS EXCLUSIVAS DESTINADAS ÀS PcD
- Fabiano D'Agostinho
- May 5
- 7 min read
Updated: Nov 16
Certo dia tentei estacionar meu carro num centro comercial para ir a uma farmácia que tinha ali, mas a vaga destinada às pessoas com deficiência estava ocupada.

Havia outras vagas disponíveis, no entanto, nenhuma era acessível, então decidi aguardar. Mais de dez minutos depois, para minha surpresa, aproximou-se um rapaz jovem e muito forte, com o corpo talhado em academia, e abriu a porta do carro estacionado na vaga PCD. Indignado, antes que o jovem entrasse no carro, buzinei e apontei para a placa com o símbolo universal de acessibilidade que estava bem visível em frente à vaga.
O jovem, de forma agressiva, balançou a cabeça em sinal de: “O que foi?”.
Então, eu apontei novamente para o símbolo cadeirante e simultaneamente para o adesivo de cadeirante colado no meu para-brisa. O rapaz foi em direção ao carro do Orlando e falou:
— O que foi?
— Você parou na vaga de cadeirante. Respondi de forma convicta.
— Sim, mas foi rapidinho. Parei porque eu não ia demorar nem um minuto.
— Mas eu estou aqui há mais de dez minutos esperando, pois não tenho como parar em nenhuma dessas outras vagas. Você poderia ter parado em qualquer uma dessas outras vagas e deveria ter deixado esta vaga livre, que é exclusiva para PcD.
— Eu não deveria nada! Quem é você para dizer o que eu devo ou não fazer? — esbravejou o jovem, irado. Transtornado e já sem a razão no domínio de suas reações, respondeu, irritado:
— Claro que deveria, a menos que você seja deficiente visual e, por isso, não tenha visto a enorme placa de sinalização na vaga.
Pensou em sugerir outra hipótese além da deficiência visual, como a deficiência mental, o que seria muito mais provável, pois não achava possível alguém com tamanha cegueira dirigir um carro, a menos que fosse o Al Pacino em Perfume de Mulher. Mas ainda bem que me sobrou um pouco de sensatez ou, talvez, o instinto de sobrevivência tenha falado mais alto.
— Você quer arrumar confusão? Tira logo seu carro daí para eu sair com o meu, senão as coisas vão ficar piores — falou o jovem musculoso em tom de ameaça.
Intimidado, dei marcha ré e parti. Desisti de comprar remédio e seguiu sem direção, completamente desanimado e desnorteado, como a barata que acaba de levar uma chinelada que fere, mas não mata.
Aquela não foi a última vez que me deparei com situações semelhantes, com pessoas incivilizadas parando impropriamente nas vagas exclusivas de quem, efetivamente, precisa delas.

Algumas vezes preferi deixar passar, mas calar me incomodava demais, pois entendo que para mudar o mundo para melhor é imperativo enfrentar o que está errado.
Decidi não calar e várias vezes consegui um resultado civilizadamente positivo, com um pedido de desculpas do infrator, mas outras tantas não verteram para uma atmosfera amigável.
Em algumas situações, fui desrespeitado, levando a discussões acaloradas ou, ainda pior, a situações tristes como ser simplesmente ignorado.
Em uma ocasião, não consegui conter meus impulsos. Foi no estacionamento de um shopping center em uma área nobre de São Paulo, onde eu circulava procurando uma vaga. Ao fazer a curva e entrei em um dos acessos com vagas para PCD e avistei um par de luzes vermelhas acesas e comemorei: “Que sorte, tem um carro saindo”. Acelerei em direção à vaga, mas ao se aproximar lamentei quando percebi que carro estar chegando, e não saindo.
Pela porta do motorista, desceu um homem sem deficiência aparente, que andou pela frente do carro em direção ao outro lado. Pensei: “Ele vai ajudar alguma pessoa com dificuldade de locomoção a sair do carro”. No entanto, fiquei chocado ao vê-lo abrir a porta traseira para pegar sua filha, que aparentava ter aproximadamente oito anos.
Eu me indignei e pensei em ficar quieto, pois meu filho estava na cadeirinha de segurança para crianças pequenas no banco de trás. Não queria arrumar confusão na frente dele, mas, ao mesmo tempo, ouvi uma voz dizer: “Faça algo. Essa é uma ótima oportunidade de mostrar ao seu filho que o errado não pode ser aceito”.
— Senhor, esta é uma vaga para pessoas com deficiência. Sou cadeirante e preciso dela porque as vagas normais não têm o espaço lateral. Sem o espaço apropriado, não é possível posicionar minha cadeira e eu não consigo sair do carro. — Expliquei, de forma paciente e educativa.
— Essa vaga é preferencial, não exclusiva. — Respondeu, em tom de desdém, o homem esbelto.
— Não, essa vaga é exclusiva. Mas então, mesmo que só a considere como preferencial, tem uma pessoa com deficiência aqui, no caso eu, que precisa usá-la. Portanto eu tenho a preferência, e o senhor poderia ceder o espaço para mim. Concorda? — Respondi serenamente, aproveitando a própria fala daquele senhor.
— Eu já estacionei o carro e não vou retirá-lo. Dê algumas voltas que você encontrará uma vaga. Tem outras vagas de “deficientes” e não vai demorar para você encontrar uma — mais uma vez desdenhou o homem.
— Parabéns pela sua civilidade. Você deveria estar envergonhado por dar esse exemplo para sua filha! É por causa de pessoas como você que o Brasil não evolui. Espero que tua filha cresça e se torne uma pessoa melhor do que você. — Respondi, estarrecido.
O homem deu a mão para sua linda filha, virou as costas e foi em direção ao shopping. Eu, perplexo, apenas me calei e olhei para meu filho, que estava com os olhos arregalados, assustado e sem entender o que estava acontecendo.
— Aquele homem parou numa vaga que ele não poderia usar. É nossa obrigação chamar a atenção para o que está errado. Se não fizermos nada, o mundo nunca vai se tornar um lugar melhor. Foi isso que eu tentei fazer agora. Infelizmente não deu resultado, mas certamente eu plantei uma semente na cabeça daquela garotinha. Talvez ela não faça algo semelhante no futuro. Essa é a esperança. Não podemos nos conformar com as coisas do jeito que elas são.
E continuei com o discurso:
— Algo errado continua sendo errado, mesmo que muitos o façam. Da mesma forma, o certo continua sendo certo, mesmo que ninguém o faça. Acomodar-se é desistir, e nunca devemos deixar de acreditar que podemos mudar o mundo.
Não falei mais nada e meu filho também ficou calado.
— Sabe? Tem outra coisa que me incomodou muito. — Falei, tentando aliviar minha tensão.
— Não gostei daquele homem ignorante se referindo às pessoas para quem essas vagas são destinadas como “deficientes”.
Eu não me considero um deficiente, principalmente depois de já ter conquistado tantas coisas. Tinho, sim, uma deficiência, mas consigo me julgar plenamente capaz, apesar das limitações impostas pela paraplegia.
— Filho, isso faz parte do racismo estrutural da nossa sociedade. — Falei em tom de desabafo e não escondi minha revolta, e continuei a falar, com o objetivo de passar um importante ensinamento moral.
— Pessoas cresceram num ambiente acostumado a classificar as minorias como grupos compostos por seres inferiores. Cresceram com a crença de que pessoas com algum tipo de deficiência, por menor que ela seja, são incapazes, são deficientes.
Meu filho escutava, mas expressava um olhar absorto. Então preferi parar de falar, mas segui pensando indignado que as pessoas cresciam acreditando que negros jamais ocupariam cargos de destaque, fosse na vida pública ou na privada; que mulheres serviam apenas para procriar e cuidar da casa e da família; que homossexuais deveriam ser exterminados ou curados, como se fossem doentes. Acostumaram-se com a imagem do homem branco, hétero, forte e belo sendo o mais inteligente e o único capaz de grandes realizações ou de exercer posições de liderança. Essas mesmas crenças eram a base da maldita ideologia que defendia a supremacia ariana, tão rejeitada como absurdas nos discursos de todos.
Girei em voltas por mais de dez minutos pelo estacionamento até encontrar uma vaga livre.
Meu filho adorava pegar uma carona no meu colo, e Orlando gostava ainda mais de passear com ele sobre suas pernas. Para nós, era como se passeássemos no carrossel de um parque de diversões. Rodávamos assim pelos corredores do shopping em busca de presentes de Natal para familiares, até que um momento de suspense aterrorizou meu filho.
— Papai, olha lá o homem do carro. — Falou baixinho, completamente amedrontado.
— Não se preocupe. Vamos em frente. É ele quem deveria estar com medo da gente. Vamos passar por ele e vamos encará-lo sem medo, ok?
Ele tentava olhá-lo, mas o temor e, principalmente, a timidez típica de uma criança permitiam no máximo algumas espiadelas de canto de olho.
O homem fingia não nos ter visto, mas era possível perceber o seu breve instante de foco em nós durante seus movimentos de cabeça de um lado para o outro, como se estivesse buscando algo nas lojas nos dois lados do corredor.
Era muito tarde para que qualquer um nós pudéssemos mudar de direção ou desviar o trajeto. Eu fiz, então, movimentos firmes com os braços, impulsionando minha cadeira adiante, sem arredar o olhar da face daquele bravo, mas torpe, homem.
Meu olhar era com a longa lança empunhada pelos cavaleiros em armaduras durante as mortíferas Justas medievais. A cadeira era o meu cavalo. Fomos nos aproximando, e fui posicionando milimetricamente minha lança, apontando-a precisamente para os seios etmoidais, entre os olhos e um pouco acima do nariz, do meu oponente. Quanto mais nos aproximávamos, mais o rústico infrator ficava desconcertado.
Na distância exata que permitia o combate, o pútrido covarde abaixou a cabeça, como quem sabe que não tem como vencer, como quem confessa o erro de suas ações execráveis, como quem se arrepende vergonhosamente do que fez. Do outro lado, eu seguia confiante, sabendo que lutava pelo que era justo, exatamente como galopavam os cavaleiros em busca de honra nas seculares Justas promovidas pela nobreza real.
Não tirei o olhar de meu alvo, e minha lança, afiada e certeira, perfurou o crânio do injusto, destruindo, ainda mais, sua fraca massa cinzenta.
Meses depois, meu filho riu muito quando narrei esse acontecimento memorável sob a ilustração da luta medieval, com a narração que detalhava o cenário, as lanças, as armaduras, a plateia de nobres e as donzelas e, claro, meu cavalo de rodas. Ao término, o bravo guerreiro no cavalo de rodas ganhava o prêmio diretamente das mãos do rei e era aplaudido pelos habitantes da cidade murada. Era comum meu filho pedir para eu contar a história novamente quando estava na cama, prestes a dormir. Com tantos contratempos dessa natureza, segui indignado com a quantidade de “andantes” que paravam indevidamente nas vagas especiais.
Eu precisava fazer algo diferente e que consumisse menos energia para atacar o problema. Então tive a ideia de fazer um adesivo para colar no para-brisa dos carros sem a devida autorização. Já que a conscientização através de conversas nem sempre surtiam efeito, quem sabe seria diferente se o motorista tivesse bastante trabalho para remover o adesivo de papel que se rasga ao ser removido?
Trecho extraído do volume um da obra 2081 - XRAM :: O Livro do Renascimento.
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